quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

CHATÔ E LUÍZ GONZAGA


"A existência é uma elevação, é uma glória de Deus, que vamos resgatar, não como uma graça, mas como uma conquista que nos cumpre realizar"
Assis Chateaubriand




ASSIS CHATEAUBRIAND - O MESTRE JORNALISTA

“O homem público supõe um padrão moral, uma capacidade para se elevar acima das paixões individuais, do interesse pessoal, que a nossa chamada elite dirigente em regra não possui. Daí o seu divórcio com a Nação, que vê homens querendo dirigi-la, como se dirigissem fazendas suas, ou tangessem gado seu.” Assis Chateaubriand

De muitas maneiras a memória de meu saudoso avô tem sido sistematicamente apagada ou corrompida. Ao contemplar suas idéias e militância deparo-me com uma visão ampla, um espírito coletivo, que andam um tanto escassos entre os detentores do poder em nossos dias. jornalístico.

Hoje considero que, mais do que a exortação à leitura de sua biografia, que em alguns aspectos muito relevantes evidencia-se duvidosa, concito os estudantes de jornalismo a lerem os seus artigos, onde ele demonstra uma grande maestria e arte no ofício singular e importantíssimo de informar à população os fatos com largueza, análise inteligente e imparcialidade similar à do cientista. Diz ele: “Que tem o público que preocupar-se da vida íntima do jornalista, se ele o guiar com honestidade e elevação?”

O altamente relevante trabalho do jornalista incide igualmente no que concerne à interpretação dos fatos históricos com o conseqüente posicionamento perante eles. Aí nos deparamos com a sua mui responsável função de formador de opinião e de educador do nosso povo. Sabemos, entretanto, que assim como o cientista atrelado a uma empresa ou universidade, o jornalista de vocação acaba sendo forçado e trabalhar dentro dos moldes e limites estabelecidos pela empresa, o que pode deformar significativamente o anseio de exercer seu ofício estritamente segundo os ditames de sua consciência. Com o tempo, a formatação torna-se uma segunda natureza, pondo em risco o espírito crítico e independente necessário ao bom jornalismo.

Em seu artigo intitulado ”A Imprensa, o Cinema e a Criminalidade”, faz alusão a criminalidade crescente na América do Norte (talvez a campeã em produzir filmes com violência), e formula a decisiva pergunta: “A que atribuir essa fantástica progressão do crime num país que tem coeficientes tão invejáveis de instrução e de educação religiosa e cívica?” Ele destaca a imprensa e o cinema como fatores decisivos: “A imprensa e o cinema tem espalhado muitos benefícios pela terra; mas, orientados para o mal, uma e outro agem como estimulantes dessa arrepiadora progressão da criminalidade observada nos Estados Unidos.” Partindo de nosso atual momento (2008) posso aduzir mais dois fatores em sintonia com sua exposição. O primeiro é a impunidade. Não apenas há avassaladora preferência pelas notícias e temas que envolvem violência, mau-caratismo e corrupção, em detrimento do destaque aos bons exemplos de abnegação, honestidade, concórdia e pacifismo. Além disso, talvez o que mais eficácia destrutiva apresenta, sejam os maus exemplos nos altos escalões, nas lideranças e nos detentores do poder, os crimes “de colarinho branco”, que terminam impunes, falcatruas que “acabam em pizza”, desestimulando a ética e correção, alimentando a barbárie e degradação moral que grassam em nosso tão sofrido país. Falando da sucessão presidencial Chatô nos recorda: “Assim é que aqui não temos nunca o espetáculo ... Sua proposta mais definitiva baseia-se “Daí ...independente.”

Ao debruçar-me sobre suas idéias, estudando-as, tive a grata surpresa de deparar-me com um homem brilhante, invulgar e corajoso, capaz de fazer o que muito pouca gente faz em nosso sofrido país: enfrentar e criticar, construtivamente, os ricos e poderosos, contrariando-lhes os interesses escusos e pressionando-os no sentido de colocarem, minimamente, seus abundantes recursos a serviço de muitos, e não, como quase sempre acontece, a serviço de uma minoria privilegiada. Seu propósito maior explicita de maneira salomônica um dos mais elevados papéis da mídia: “(...) O marinheiro e o soldado sabem que se combatemos atos dos nossos homens de governo, não é pela volúpia de destruir os indivíduos que se consagram à direção da coisa pública entre nós, mas pelo desejo de aperfeiçoá-los, de melhorá-los.” Mais adiante, no mesmo artigo intitulado “o destino da profissão jornalística” de 1926, ele escreve, completando: “O papel da imprensa consiste em, tanto quanto possível, cooperar com os que governam, porque jornalismo e governo têm um único objetivo, que é promover o bem-estar da coletividade.”

É preciso ter coragem para pensar com liberdade e expressar-se segundo sua consciência mais do que ao sabor das conveniências. O impacto que me causou a interessante leitura de alguns de seus artigos me convenceu de sua inestimável importância. Muitos deles constituem-se em bons exemplos de uma ampla e sofisticada filosofia jornalística.

Se eu dispusesse de um jornal, republicaria sistematicamente os seus artigos. Aí encontramos opiniões lúcidas acerca de muitos temas, vários deles absolutamente atuais. (Estamos empenhados neste resgate e principiaremos publicando um livro de frases de Chatô, onde as novas gerações poderão começar a perceber a genialidade e agudeza deste grande brasileiro.)

Por exemplo, num artigo que versa sobre a autoridade jornalística em alusão as suas fronteiras com a política, Chatô nos ensina acerca da soberana independência necessária ao seu correto exercício:

“Como o público deve considerar a autoridade de um diário, principalmente no Brasil, que se dispõe a ser na imprensa, o porta-voz de um partido! Dirá o leitor, mas um partido político não é um ajuntamento de celerados, e sim um grupo de homens decididos a realizar idéias e planos de governo. Desde que ele já não age com elevação de vistas, com o propósito de servir o interesse público já não é então um partido, mas um bando de aventureiros, especulando com a boa fé da opinião pública.”

“De acordo. Mas um partido comete erros; está sujeito a tomar atitudes que contrariam o bem coletivo; e o jornal que o defende sistematicamente, fica obrigado a mentir à sua mesma finalidade, pelo apoio que deve à agremiação política da qual é órgão. Será muitas vezes uma voz suspeita.”

“Ora, o jornal doutrinário, que aspira guiar a opinião geral, precisa e deve pairar acima dos partidos e nunca transigir com as conveniências destes. A independência de ação é o seu primeiro fator de autoridade sobre as massas. Não há diário que possa fornecer uma informação proba e uma crítica desapaixonada, se ele tem os seus movimentos vinculados a um grupo partidário, cujos interesses lhe cumpre acautelar.”

O raciocínio parece simples e quase óbvio, mas creio firmemente ser fundamental manter sempre e sempre esta perspectiva em foco, quando formos tratar do fazer jornalístico. Não existem apenas os partidos políticos; existem muitos sistemas de crenças que funcionam com a mesma paixão dos partidos e são capazes de levar as pessoas a uma adesão acrítica, virtualmente sem limites, sem exame acurado dos argumentos contrários, mesmo que em detrimento delas mesmas: na medicina alopática acadêmica, no paradigma newtoniano-cartesiano, em tal ou qual Escola dentre as múltiplas em Ciências Humanas, nesta ou naquela abordagem religiosa, etc., etc.

Ele encerra o artigo com uma sentença lapidar que também se constitui em um crucial alerta:

“A autoridade de um jornal vem da convicção que o espírito público mantém acerca da sinceridade da sua palavra e da superioridade de seu julgamento. A paixão política é a mais cega das paixões, porque é feita, muitas vezes, de interesses pessoais contrariados. Doutrinar nela inspirado é um crime, porque significa usar nossa ascendência sobre as massas para desorientá-las.”

Em nossas vidas, algumas vezes encontramos extremas dificuldades em praticar, de maneira radical e absolutamente estrita, o que sabemos ser o mais correto, adequado e sábio. Nem sempre nossas ações acompanham religiosamente o que nossa visão mais ampla nos dita. Quando um homem escreve e lega seu pensamento para a posteridade, ele quase sempre está no seu melhor. É preciso primeiro conhecer o caminho. E Chatô, sem dúvida alguma, foi um mestre que sabia ensinar.

Rio, 05!11!07-Philippe Bandeira de Mello- Psicólogo Junguiano e Transpessoal; Pesquisador; Professor; neto de Assis Chateaubriand.